Pauleany Linhares Prince
Mestranda em História Social
Universidade Federal de São Paulo
Com o título: “Sobre quando ‘os
mortos’ começam a falar: experiência e subjetividade na escrita do sujeito
histórico e revolucionário do EZLN (Exército Zapatista de Liberação Nacional) –
Uma análise a partir dos comunicados: 1994 - 2013”[1]
este trabalho, no início do mestrado, possuía outras proposições que o
vinculavam mais a questão historiográfica, da escrita do sujeito histórico e da
filosofia da história. A intenção era a de investigar de que maneira se (re)
escrevia a história do sujeito histórico “indígena”, “camponês” e
“latino-americano” tendo como base a análise dos comunicados produzidos e vinculados
pelo EZLN e articulando as concepções da subjetividade do sujeito histórico
presentes em Antônio Gramsci, Marc Bloch, György Lukács, Walter Benjamin, Edward Palmer Thompson e Eric
Hobsbawm e sob a perspectiva de análises
conjunturais de longa duração baseadas em teorias históricas, sociais e
filosóficas de Enrique Dussel, Edward Said, Imanuel Wallerstein e Fernand Braudel.
A ideia de pensar estes sujeitos históricos: o
indígena e o camponês dentro do discurso do EZLN também convergiu com a possibilidade
de construir, através de seus discursos políticos e suas práticas - em uma palavra, experiência - , uma
cronologia do movimento e pelo movimento. Considerando isto, em maio de 2015 os
zapatistas convocaram a um “semillero” que
se chamou “El pensamento crítico frente a
la Hidra capitalista”. O efeito desta convocatória e o material produzido
pela Comissão Sexta do EZLN, que foi condensado no primeiro tomo dos cinco
tomos que sete dias, nos levou a ampliar a o período histórico estudado sobre o
movimento de 1994 a 2015, aproveitando esta fala sintetizadora direta da
experiência zapatista, deles por eles mesmos, nesses 21 anos de aparição
pública.
O levantamento dos
comunicados zapatistas acumulou quase 600 em que apareciam as palavras
“indígena” e “campesino”. Conseguimos mapear momentos e variações destas falas
reivindicativas da identidade ‘indígena’
ou ‘campesino” desde de 1994 a 2015.
Foi possível perceber que o momento em que mais a identidade ‘campesina’ foi mencionada foi durante a
marcha por ‘La
Otra Campaña’ em 2006 quando uma delegação
zapatista juntou ao Delegado Zero caminharam por 31 estados da república
mexicana. ‘La otra campaña’[2]
foi um momento na história do EZLN em que se foi estabelecido relações com as
organizações civis, movimentos sociais e outros sujeitos políticos a nível
nacional, que haviam ou não respondido ao chamado da ‘Sexta Declaración de La
Selva Lacandona’ (2005), para mobilizar-se desde um horizonte anticapitalista e
horizontal frente ao processo eleitoral de 2006. Constatar este feito nos levou
a pensar a interlocução deste sujeito indígena – figurado no EZLN – com as
demais organizações camponesas.
No princípio de 2016 o
projeto passou por profundas modificações. Fazendo um giro mais à História
Social e à História Agrária, tomamos rumos diferentes. Percebemos que a
discussão em torno do sujeito histórico era necessária de uma maneira mais
concreta ligado à construção social das identidades. Nos concentramos mais em
compreender, principalmente, as identidades indígenas e camponesas dentro do
discurso zapatista, observando os momentos em que reivindicavam cada uma dessas
identidades e também quais eram as ressonâncias que esses discursos alcançavam
fora tendo em vista averiguar qual era a continuidade que os comunicados
zapatistas possuíam. Então acrescentamos, entre as fontes primárias, o trabalho
de reunir e mapear através de jornais e revistas mexicanas que faziam menções e
referências aos comunicados zapatistas.
É necessário dizer que o arranjo central do
trabalho, o conceito de experiência, não foi abandonado nestas mudanças de
foco. Continuamos pensando em trilhar o caminho conceitual mapeado por Edward
Palmer Thompson, onde a construção da consciência de classe se faz a partir da
experiência e dela também se deriva o conjunto de “tradições” e “costumes” que
configuraram a cultura e logo a identidade de um grupo[3].
Para Thompson é através da experiência que mulheres e homens definem e
redefinem suas ações, práticas e pensamentos, “compreende a resposta mental e emocional, seja de um indivíduo ou de
um grupo social, a muitos acontecimentos inter-relacionados ou muitas
repetições do mesmo tipo de acontecimento”[4].
Em julho de 2016 a
UNIFESP recebeu a doação do Acervo Xojobil – Projeto BiblioChiapas[5]
idealizada pelo mexicano e estudioso dos zapatistas, Alejandro Buenrostro e sua
companheira Maria José Barboza Rinaldi. No total foram doados 13 caixas com
materiais diversos principalmente sobre as temáticas camponesas e indígenas do
Brasil e do México. A intenção do Projeto BiblioChiapas – Xojobil era ser uma
ponte de saberes entre os dois países, um intercâmbio de práticas entre os
movimentos sociais brasileiros e mexicanos e, além disso, também esclarecer o
que se passava em México quando o levantamento zapatista em 1 de janeiro de
1994.
A chegada do acervo ás
dependências da universidade permitiu um encontro como novas fontes primarias e
literatura mexicana. Iniciou uma nova e inesperada fase da pesquisa, que foi um
processo de organização e consideração de material que abriu novas frentes para
o trabalho. Nos deparamos com a trajetória e a biografia de Alejandro
Buenrostro e Maria José junto às comunidades indígenas e camponesas na região
da atuação dos Zapatistas[6]
de uma ótica cronológica maior, já que a atuação de Alejandro começou nos anos
1950. O fascínio por todo este material e todas as fotografias que continha nos
estimularam a pensar mais mudanças no projeto. Nos perguntamos de que maneira
poderíamos pensar e aproveitar a riqueza desta experiência em nosso trabalho.
Em março de 2018
iniciamos nossa primeira viagem pelo México.
Durante mais de dois meses, fizemos um longo percurso de encontros com
personagens, lutadores sociais e
tentativas de visitar comunidades zapatistas. A viagem tinha por
principal objetivo fazer um trabalho de campo no território zapatista, mas,
fomos também seguindo las huellas de Alejandro Buenrostro e Maria José
Rinaldi. Neste percurso, procuramos seguir os passos daqueles que com eles
estiveram durante sua estadia no México. Também fomos informados de que havia
uma continuidade do acervo de Alejandro e Maria José na cidade de Morelia,
capital do estado de Michoacan, então, por aí fomos.[7]
Foram dois meses e
três dias pisando o solo mexicano. Viajamos por 4 estados da República
Mexicana: chegamos ao Distrito Federal – Ciudad de México; logo fomos para
Chiapas, lugar da rebelião zapatista. Por ali passamos pela capital Tuxtla
Gutierrez onde tivemos o privilégio de conhecer e se hospedar na casa da família
López, família de camponeses desplazados na década de 70 de suas terras
no munícipio de Chicoasén por conta da construção de uma represa hidrelétrica
sobre o Rio Grijalva.[8]
Também, próximo a Tuxtla, no munícipio de Chiapa de Corzo, conhecemos o? Manuel
Pérez Constantino, indígena migrante da Selva Lacandona, um dos fundadores do
Congresso Nacional Indígena em 1974 e também da marcha das formigas ‘La
Xinich’ em 1992.[9]
São acontecimentos que também envolveram Alejandro e Maria José e marcam parte
da história de formação do movimento zapatista.
Fotografia 1 – Vista geral
de Bachajón em 1959
Fonte: Acervo Xojobil
(1959)
Fotografia 2 – Entrada do
povoado de Bachajón em 2018
Fonte: Própria autoria
(2018)
Fotografia 3 - Organograma da Equipe Missionária de Bachajón
em 1973 sob a liderança de Alejandro Buenrostro.
Fonte: Acervo pessoal da
Madre Sophia.
Fotografia 3 – Aluno da
escola jesuíta em Bachajón 1962
Fonte: Acervo Xojobil
(1962)
Fotografia 4 – Aluno da
escola jesuíta em Bachajón 2018
Fonte: Gastão Guedes
(2018)
Fotografia 5 - Equipe da
missão jesuíta em Bachajón junto com Alejandro Buenrostro seu diretor em 1972.
Fonte: Acervo pessoal da
Madre Ester (1972)
Fotografia 6 – Alunas na
escola jesuíta em Bachajón em 1962
Fonte: Acervo Xojobil
(1962)
Fotografia 7 – Alunas na escola jesuíta em Bachajón
em 2018
Fonte: Gastão Guedes (2018)
Fotografia 8 – Abelino Guzmán traduzindo ‘los
principales’ no Carnaval de Bachajón em 1976
Fonte: Acervo Xojobil
(1976)
Fotografia 9 – Abelino
Guzmán nos concedendo entrevista na biblioteca da missão jesuíta de Bachajón em
abril de 2018.
Fonte: Imagem capturada em
vídeo por Gastão Guedes (2018)
Fotografia 10 – Na casa de Maria
Sarago Arcos aprendendo sobre a luta das mulheres e homens Tsetales em
Bachajón.
Fonte: Gastão Guedes (2018)
Fotografia 11 – Exploração
mineira clandestina na região das
‘Cascadas de Agua Azul’ em San Sebastian, Bachajón.
Fonte: Imagem capturada em
vídeo por Pauleany Linhares (2018)
Fotografia 12 – Vista geral
da região das ‘Cascadas de Agua Azul’ território de disputa do movimento
indígena autônomo da Sexta de Bachajón contra o estado mexicano.
Fonte: Própria autoria
(2018)
Fotografia 13 – Vista
lateral do auditório Comandanta Ramona em Oventic, Chiapas em abril de 2018.
Fotografia 14 – Vista
interna do auditório Comandanta Ramona em Oventic, Chiapas em abril de 2018.
Fonte: Própria autoria
(2018)
Fotografia 15 – Vista
interna do refeitório zapatista em Oventic, Chiapas em abril de 2018.
Fonte: Própria autoria
(2018)
Fotografia 16 – Vista
externa do Centro de Línguas – Tsotil – Castellano no Caracol Oventic, Chiapas
em abril de 2018.
Fonte: Própria autoria
(2018)
Fotografia 17 – Vista
externa da Escola Primária Autonoma Zapatista no Caracol de Oventic, Chiapas em
abril de 2018.
Fotografia 18 – 19 – Vista
interna da Escola Primária Autonoma Zapatista no Caracol de Oventic, Chiapas em
abril de 2018.
Fonte: Própria autoria
(2018)
Fotografia 20 – Palco para
eventos em Oventic. Cenário marcante para várias datas do EZLN, inclusive o
nascimento dos próprios caracóis. Também é uma réplica de Aguascalientes, lugar
da Convención Nacional Democrática el 8 de agosto de 1994 e que foi destruída
em seguida pelo exército mexicano. Caracol de Oventic, Chiapas em abril de
2018.
Fonte: Própria autoria
(2018)
Fotografia 21 – Vista externa da Oficina de
Mulheres pela Dignidade no Caracol de Oventic, Chiapas em abril de 2018.
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Fonte: Própria autoria
(2018)
Fotografia 22 – Vista externa da Biblioteca no
Caracol de Oventic, Chiapas em abril de 2018.
Fonte: Própria autoria (2018)
Fotografia 23 – Mural Zapatista “Oventik más
Oventik: Ya yo no puedo vivier fuera de Oventik porque lo que a mi me gusta es
cronstruir”. “Siempre muchos Oventik”. No Caracol de Oventik, Chiapas em abril de
2018.
Fonte: Própria autoria
(2018)
Fotografia 24 – Mural Zapatista “La Soldadera” no Caracol de Oventik,
Chiapas em abril de 2018.
Fonte: Própria autoria
(2018)
Fotografia 25 – Iniciando a organização do arquivo de Alejandro
Buenrostro e Maria José Barbosa em seu antigo apartamento na cidade de Morelia,
Michoacan em maio de 2018.
Fonte: Gastão Guedes (2018)
Contar toda esta experiência é importante por
mostrar como ela fez necessária a transformação do projeto. Um trabalho de mestrado sobre a história de
outro país, baseado especificamente na literatura, sem nenhum contato com o
objeto, não é mais possível depois destes contatos, desta convivência com o
objeto. As memórias das pessoas encontradas animaram o estudo com a vida dos
entrevistados, bem como as diversas paisagens que encontramos. Tudo começou com
nosso trabalho de organização do acervo Xojobil e a descoberta do relato
fotográfico de Alejandro Buenrostro. Dizem que foto contam uma história de umas
mil palavras, mas minha leitura delas foi muito constrangido pela falta de
contato com México. Depois da viagem, entendo muito melhor o significado delas.
O acervo foi ganhando outra dimensão, criando muitas dúvidas sobre aquele
enfoque inicial do discurso zapatista. O novo desafio é achar o encontro do
projeto de pesquisa no cruzamento do empírico da viagem com a teoria da
literatura.
Conhecemos uma série de
protagonistas nessa história dissertativa e no caminho do mestrado. Paramos e
percebemos que tínhamos, de alguma maneira, alguns personagens aí importantes
para compreender uma dinâmica que, para nós, se equacionará no conceito de subalternidade
agrária, pleiteado por Armando Bartra em seu livro Campesindios:
aproximaciones a los campesinos de un continente colonizado (2010).Também
provoca reflexão sobre a
perspectiva descolonial e
de identidade como abordada pela Silvia Rivera Cusicanqui em sua obra Oprimidos
pero no vencidos: luchas del campesinado aymara y quéchua de Bolivia, 1900-1980
(1984).
Com uma nova missão de
equacionar todas estas informações e relações em torno da subalternidade
agrária de Chiapas, MX, retomamos a seguir nossa dissertação.
[2] ‘La Otra Campaña’ foi um momento na história do EZLN em que se
estabeleceu relações com as organizações civis, movimentos sociais e outros
sujeitos políticos a nível nacional afim de mobilizar-se desde um horizonte
anticapitalista e horizontal frente ao processo eleitoral de 2005.
[3] THOMPSON, E. P. Costumes em comum.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 528 p.
[4] THOMPSON, E.P. A miséria da teoria
ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser. RJ: ZAHAR,
1981.
[5] O Acervo Xojobil – BiblioChiapas
tem o pontapé inicial de sua formação a partir da chegada de Alejandro
Buenrostro no Brasil, mais especificamente, em Guarulhos – São Paulo, nos anos
noventa. O acervo funcionou durante anos e foi consultado por variados e
consagrados estudiosos dos zapatistas no Brasil. Para mais informações sobre o
acervo: < http://bibliochiapas.blogspot.com/p/sobre.html > <https://www.facebook.com/bibliochiapas/>
[6] Pude apresentar um pouco
desta trajetória em uma comunicação na II Semana de História na Universidad
Autônoma Metropolitana de Iztapalapa, Ciudad de México em março de 2018.
[7] Um roteiro inicial da viagem
pode ser encontrado no apêndice deste relatório.
[8] No capítulo I da dissertação
e componente deste relatório teremos a oportunidade de conhecer essa história
do ‘desplazamiento’ através do relato de vida da matriarca, a “abuelita”, como
eu carinhosamente a chamava, dona Maria Luisa Hernández Núñez.
[9] A história do Manuel também
forma parte do Capítulo I desta dissertação. Ele contou sua experiência e
trajetória de vida e luta dentro do movimento indígena no estado de Chiapas.
Ele também nos oferece uma convivência com sua vida atual, onde, cuida de um
terreno em uma ocupação ilegal de casas na cidade de Chiapas de Corzo,
trabalhando quase como se fosse um trabalhador escravo, padece de carências
básicas, ele e sua família. Esta realidade também está plasmada na experiência
de vida não só de Manuel, mas de todo o panorama que podemos acompanhar e
observar no estado de Chiapas.